Depois de percorrer novamente aquele caminho, parou pouco antes de chegar ao seu destino. Tinha começado a chover. Eram apenas pequenas gotas cruzadas, formavam uma fraca neblina que embaciava a sua visão. Ela abanava ao sabor do vento, para cá e para lá, como se fosse uma das pequenas plantas que lhe acariciavam as pernas desprotegidas. Completou o caminho que lhe faltava e deixou-se envolver pela magia do sítio onde se encontrava. Enquanto esperava que ele voltasse, rezando para que a memória não lhe falhasse, ela lembrou-se dos sonhos. Não eram mais do que meras expressões dos seus desejos mais profundos mas talvez fosse essa profundidade que a incomodava tanto. Lembravam-lhe coisas que não se repetiriam e a força que emanava dos sonhos era tanta que ela teve de se encostar à parede para não cair. Deixou-se escorregar até ao chão e ficou ali, com os joelhos encostados ao peito e os braços à volta deles, escondendo a cabeça lá no meio, na tentativa de se manter inteira até ao momento em que ele invadiria a sua cabeça e a faria sentir-se viva outra vez. Levou algum tempo até isso acontecer. A neblina e as pequenas gotas cruzadas eram agora gotas pesadas e cheias de raiva que doíam ao embater na pele despida de protecção.
Ela começara a chorar; sentia-se demasiado exposta a si própria, não queria que ninguém a visse, mas ele tardava chegar. Numa última tentativa desesperada, encostou a cabeça à parede e olhou, como que em suplicia, para o céu negro arroxeado, que a brindou com um relâmpago e chuva ainda mais forte. E, de repente, ele apareceu. Ainda com mais força do que nas outras vezes, apoderou-se por completo da sua cabeça, do seu corpo. Ela conseguia senti-lo por todo o lado, como se ele estivesse ali fisicamente e não apenas naquela cabeça doente e paranóica. Ela conseguia sentir os lábios dele procurarem sofregamente os seus, a matarem a distância que há tanto tempo se impunha, sentia os dedos de ambos entrelaçados, o abraço reconfortante e protector. Entretanto era constantemente fustigada pelo vento e chuva forte que se fazia sentir. Ela sentia a sua falta como nunca tinha sentido, o seu peito apertava-se de cada vez que se lembrava dele e do seu olhar perfeito.
Levantou-se violentamente e soltou o grito mais agoniante de sempre, até já não ter voz para o continuar, até já lha doer a garganta ao ponto de mal conseguir respirar. Prometeu a si própria nunca mais chorar por ele, nunca mais cometer estes episódios de loucura; e partiu. Nunca mais voltou àquele sítio que outrora fora o seu santuário, nunca mais perdeu o controlo da sua loucura. É verdade que ainda sonha com ele praticamente todas as noites, acorda transtornada e não dorme o resto da noite. Mas agora ele não passa de um sonho, não pode passar de um sonho, é um fantasma que pertence ao passado e que vive no seu interior, assombrando-a mesmo quando ela acha que já é feliz e que nada pode mudar isso. Ele nunca a abandonará, tal como ela nunca o abandonou.

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